Texto
Processo n.º 841/2019
Acordam, em Plenário, do Tribunal Constitucional,
I - Relatório
1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 3, da Constituição, e do artigo 82.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro [LTC]), a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da norma que determina o «pagamento da taxa municipal de proteção civil devida pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil» pelas «entidades gestoras de infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Odemira, designadamente as rodoviárias, ferroviárias e de eletricidade» que «pode ser agravada até 50 % face ao valor base, por deliberação fundamentada da Assembleia Municipal de Odemira, sob proposta da Câmara Municipal de Odemira, designadamente quando se trate de pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma ação ou atividade de acrescido risco», resultante dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Odemira.
Como fundamento do pedido, alega que o Acórdão n.º 332/2018, da 1.ª Secção, julgou inconstitucional a referida norma, julgamento que teria sido reafirmado pelas Decisões Sumárias n.os 331/2019, da 3.ª Secção, 348/2019, da 1.ª Secção, e 423/2019, da 3.ª Secção. Todas as decisões teriam transitado em julgado.
2 - Notificado em representação do autor da norma para, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia Municipal de Odemira veio declarar o seguinte:
«Cumpre-me acusar a receção do Vosso ofício n.º 169/2019, datado de 19 de setembro de 2019, referente ao Processo n.º 841/2019 e, bem assim, informar Vossa Excelência que no passado dia 4 de outubro de 2019, na segunda sessão ordinária de setembro, foi deliberado por unanimidade, pela Assembleia Municipal sob proposta da Câmara Municipal, a revogação do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil (TMPC) que havia sido aprovado de forma definitiva na sessão ordinária deste Órgão no dia 27 de fevereiro de 2015.
Cumpre-me ainda informar Vossa Excelência que a Assembleia Municipal de Odemira deliberou desde a entrada em vigor do supracitado Regulamento, sob proposta da Câmara Municipal, isentar a aplicação da referida taxa a pessoas singulares e a pessoas coletivas, com exceção das Entidades Gestoras de Infraestruturas, a qual também não foi efetivamente cobrada, conforme consta da Proposta n.º 20/2019 P, datada de 16 de setembro de 2019, proveniente do Gabinete do Senhor Presidente da Câmara Municipal, aprovada na reunião ordinária da Câmara Municipal realizada no dia 19 de setembro de 2019».
3 - Discutido o memorando a que se refere o artigo 63.º, n.º 1, da LTC, apresentado pelo Presidente do Tribunal, cumpre elaborar o acórdão nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, em conformidade com a orientação que prevaleceu.
II - Fundamentação
a) Verificação dos pressupostos
4 - A fiscalização abstrata da inconstitucionalidade de uma norma pode ser requerida sempre que a mesma tiver sido julgada inconstitucional em três casos concretos pelo Tribunal Constitucional. Trata-se de um processo de generalização, com fundamento na repetição do julgado (artigo 281.º, n.º 3, da Constituição e artigo 82.º da LTC).
No presente processo, verifica-se que a norma objeto do pedido foi efetivamente julgada inconstitucional, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, em pelo menos três casos concretos (o Acórdão n.º 332/2018, da 1.ª Secção, e as Decisões Sumárias n.os 331/2019, da 3.ª Secção, 348/2019, da 1.ª Secção, e 423/2019, da 3.ª Secção, cf. ponto 1), pelo que se considera preenchido o pressuposto previsto no artigo 281.º, n.º 3, da Constituição. O processo foi promovido pelo Ministério Público, que tem legitimidade para tal, nos termos do artigo 82.º da LTC.
A circunstância de ter sido, entretanto, revogado o Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil (TMPC) de Odemira, pela Assembleia Municipal de Odemira, em 18/10/2019 (cf. Regulamento n.º 901/2019, DR, 2.ª série, de 21/11/2019), não afasta, só por si, o funcionamento do mecanismo processual previsto no artigo 82.º da LTC (cf. Acórdão n.º 367/2018, do Plenário, ponto 2).
Cumpre avançar para a análise da questão de constitucionalidade colocada.
b) Análise da questão de constitucionalidade
5 - O Tribunal Constitucional já julgou a inconstitucionalidade da norma que determina o «pagamento da taxa municipal de proteção civil devida pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil» pelas «entidades gestoras de infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Odemira, designadamente as rodoviárias, ferroviárias e de eletricidade» que «pode ser agravada até 50 % face ao valor base, por deliberação fundamentada da Assembleia Municipal de Odemira, sob proposta da Câmara Municipal de Odemira, designadamente quando se trate de pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma ação ou atividade de acrescido risco», resultante dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Odemira - no Acórdão n.º 332/2018, da 1.ª Secção.
6 - Nesse aresto, começou por fazer-se um enquadramento jurisprudencial que tem vindo a ser dado à matéria das TMPC:
«9 - A matéria das TMPC tem merecido uma análise jurisprudencial pelo Tribunal Constitucional recentemente.
A TMPC de Vila Nova de Gaia foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta, tendo as normas dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia sido julgadas inconstitucionais pelos Acórdãos n.º 418/2017 e n.º 611/2017, ambos da 1.ª Secção, e n.º 17/2018, da 3.ª Secção - tendo estes dois últimos arestos adotado e confirmado a fundamentação do primeiro. No mesmo sentido, a TMPC de Setúbal foi objeto do Acórdão n.º 34/2018, da 3.ª Secção, que julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, alínea c), e 5.º, n.os 1 e 2, do RTMPC de Setúbal.
Por seu turno, em fiscalização abstrata, a pedido do Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional apreciou a constitucionalidade da TMPC do Município de Lisboa, tendo vindo, no Acórdão n.º 848/2017, do Plenário, a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 1 e 2 do artigo 59.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 60.º, da primeira parte do artigo 61.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 63.º e do n.º 1 do artigo 64.º, todos do Regulamento Geral de Taxas, Preços e outras Receitas do Município de Lisboa, republicado pelo Aviso n.º 2926/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 45, de 4 de março de 2016, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
10 - Em todos estes arestos, tal como no presente processo, o ponto de partida da análise é a caracterização do tributo em causa.
Nesse contexto, não nos deve impressionar o facto de o artigo 6.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, que aprovou o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), prever que "as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade dos municípios, designadamente, [...] f) Pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil". Como tem vindo a sublinhar-se na jurisprudência citada no ponto anterior do Tribunal Constitucional, "tal previsão não permite dar como resolvida a questão central do presente recurso, uma vez que, por um lado, não cabe ao legislador ordinário a palavra definitiva quanto à qualificação de um tributo à luz das normas constitucionais e, por outro lado, o modo genérico como a referida 'taxa' se encontra prevista no RGTAL não dispensa a análise de cada específico tributo estabelecido invocando essa legitimação, para aferir se nele se encontram efetivamente as características que permitem reconduzi-lo a uma verdadeira taxa" (cf. Acórdão n.º 848/2017, ponto 2.3., remetendo para o Acórdão n.º 418/2017, ponto 2.5).
Assim, para esse efeito, a "caracterização de um tributo, quando releve para efeito da determinação das regras aplicáveis de competência legislativa, há de resultar do regime jurídico concreto que se encontre legalmente definido, tornando-se irrelevante o nomen juris atribuído pelo legislador ou a qualificação expressa do tributo como constituindo uma contrapartida de uma prestação provocada ou utilizada pelo sujeito passivo" (cf. o Acórdão n.º 539/2015, ponto 2, citado nos Acórdãos n.º 418/2017, ponto 2.3., n.º 848/2017, ponto 2.2., e n.º 34/2018, ponto 6).
Como enquadramento, podemos recorrer novamente ao Acórdão n.º 539/2015, ponto 2, que refere que:
"[...] É conhecida e tem sido frequentemente sublinhada, mesmo na jurisprudência constitucional, a distinção entre taxa e imposto.
O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, 'a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública, mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte' (Sérgio Vasques, em Manual de Direito Fiscal, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).
Entretanto, a revisão constitucional de 1997 introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto [artigo 165.º, n.º 1, alínea i)]. As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em 'As taxas e a coerência do sistema tributário', pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa.
Como sublinha Cardoso da Costa, a este propósito, por via dessa autonomização, o teste da bilateralidade, no sentido preciso que lhe era atribuído como característica essencial do conceito de taxa, deixou de poder ser sempre decisivo para resolver os casos duvidosos ou ambíguos quanto à natureza do tributo; e deixou de poder manter-se, também, a orientação jurisprudencial que tendia a qualificar como imposto, mormente para efeito da aplicação do correspondente regime de reserva parlamentar, as receitas parafiscais que não pudessem ser qualificadas tipicamente como taxas (em 'Sobre o Princípio da Legalidade das Taxas e das demais Contribuições Financeiras', in "Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcelo Caetano", vol. I, pág. 806-807, ed. de 2006, Coimbra Editora; sobre a jurisprudência mencionada, cf. o acórdão do o Tribunal Constitucional n.º 152/2013)."
Relativamente ao conceito de taxa, é de referir a conceção adotada no Acórdão n.º 177/2010, ponto 8, (citada no Acórdão n.º 418/2017, ponto 2.3.1.), tomando como ponto de partida "a promulgação da lei geral tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro)":
"[...] Na verdade, o artigo 4.º, n.º 1, desse diploma veio explicitar que 'as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares'. De igual modo, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro (alterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e pela Lei n.º 117/2009, de 29 de dezembro), que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, consagra, no artigo 3.º, idêntica categorização.
Perante esta enumeração tripartida das categorias de prestação pública que dão causa e servem de contrapartida à prestação exigível a título de taxa, é incontroverso que o legislador [...] [considera] a remoção de um obstáculo jurídico como pressuposto autossuficiente da figura. A própria formulação utilizada sugere isso mesmo, pois a disjuntiva que antecede a referência final corta toda a ligação conectiva com os dois tipos de contraprestação antes expressos. E não faria, na verdade, qualquer sentido que o enunciado legal previsse um terceiro grupo de situações, em alternativa às duas outras anteriormente previstas, para se concluir que não se chega, afinal, a ultrapassar o âmbito da 'utilização de um bem do domínio público', pois só conta a remoção que a ela conduza."»
7 - Foi à luz deste enquadramento, que se analisou a norma relativa à TMPC de Odemira que é objeto do presente processo no Acórdão n.º 332/2018:
«11 - O preâmbulo do RTMPC de Odemira cita a Lei de Bases da Proteção Civil (Lei n.º 27/2006, de 3 de julho), a Lei n.º 65/2007, de 12 de novembro, que define o enquadramento institucional e operacional da proteção civil no âmbito municipal, bem como o RGTAL, referindo:
"O cidadão tem o direito de ter à sua disposição informações concretas sobre os riscos coletivos e como prevenir e minimizar os seus efeitos, caso ocorram. Tem, também, direito a ser prontamente socorrido sempre que aconteça um acidente ou catástrofe.
A este direito corresponde, todavia, um dever de comparticipar na despesa pública local gerada com a proteção civil na área do seu município de forma a tornar o sistema de proteção civil municipal sustentável do ponto de vista financeiro.
[...]
O Município de Odemira tem vindo, desta forma, ao longo dos anos, a investir acentuadamente na área da proteção civil e da prevenção de riscos. Para além da estrutura municipal de proteção civil e dos corpos de bombeiros, tem em permanente funcionamento a Comissão Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, a Equipa de Intervenção Permanente e a Equipa de Sapadores Florestais, promovendo de forma regular e continuada atividades de formação cívica com especial incidência nos domínios da prevenção contra o risco de incêndio, acidentes químicos, ventos ciclónicos, cheias e outras catástrofes."
Por seu turno, o artigo 2.º, n.º 2, do RTMPC de Odemira refere:
"A TMPC tem por objeto compensar financeiramente o Município de Odemira pela despesa pública local, realizada no âmbito da prevenção de riscos e da proteção civil, e constitui a contrapartida do Município, designadamente:
a) Pela prestação de apoio aos serviços de bombeiros;
b) Pela prestação de serviços de proteção civil;
c) Pelo funcionamento da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios;
d) Pelo cumprimento e execução do plano de emergência municipal;
e) Pela prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações;
f) Pela promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para a prevenção de riscos."
Para efeitos de delimitação subjetiva, como já se referiu, a norma objeto do presente processo é imposta às "entidades gestoras de infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Odemira, designadamente as rodoviárias, ferroviárias e de eletricidade" (artigo 3.º, n.º 2, do RTMPC de Odemira).
Relativamente a estas entidades, a fórmula de cálculo da TMPC anual a cobrar, tal como definida no n.º 2 do Anexo I do RTMPC de Odemira é o seguinte:
"a) Redes Rodoviárias - 0,10 (euro) por cada metro linear de infraestruturas;
b) Redes Ferroviárias - 0,60 (euro) por cada metro linear de infraestruturas;
c) Redes de Eletricidade - Muita Alta Tensão - 0,90 (euro) por cada metro linear de infraestruturas;
d) Redes de Eletricidade - Alta Tensão - 0,70 (euro) por cada metro linear de infraestruturas;
e) Redes de Eletricidade - Média Tensão - 0,05 (euro) por cada metro linear de infraestruturas."
A fundamentação económico-financeira da TMPC consta do Anexo II do RTMPC de Odemira, onde se refere:
"[...]
O presente documento visa a fundamentação económico-financeira do valor das taxas municipais de proteção civil (TMPC), tendo em consideração o princípio da equivalência jurídica em que o valor das taxas dos municípios é fixado tendo em conta o princípio da proporcionalidade, não ultrapassando o custo da atividade pública local ou o benefício auferido pelo particular.
[...]
De acordo com a lei de Bases da Proteção Civil (Lei n.º 27/2006, de 3 de julho) a proteção civil é uma atividade desenvolvida pelo Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais, pelos cidadãos e por todas as entidades públicas e privadas com a finalidade de prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram.
As taxas previstas no Anexo I do Regulamento da TMPC do Município de Odemira referem-se ao serviço público prestado pelos Bombeiros e pela Proteção Civil Municipal, no âmbito dos serviços de:
a) Prevenção dos riscos coletivos e a ocorrência de acidente grave ou de catástrofe deles resultantes;
b) Atenuação dos riscos coletivos e limitação dos seus efeitos no caso de ocorrência de acidente grave ou de catástrofe;
c) Socorrer e assistir as pessoas e outros seres vivos em perigo e proteger bens e valores culturais, ambientais e de elevado interesse público;
d) Reposição da normalidade da vida das pessoas em áreas afetadas por acidente grave ou catástrofe.
3 - Metodologia
3.1 - Enquadramento
O estudo procurou demonstrar os critérios de determinação dos custos da atividade pública para a fixação das taxas, tendo em conta os aspetos inerentes aos mesmos de forma a garantir uma maior equidade na sua aplicação.
Inicialmente, foram identificados os processos que conduzem a serviços prestados pelo Município de Odemira aos particulares, empresas e demais entidades e pelos quais os mesmos têm de pagar taxas, tendo sido definidos que intervenções, no âmbito das funções e competências da Proteção Civil Municipal, são passíveis de ocorrerem nas seguintes situações/tipologias:
a) Em prédios urbanos;
b) Em prédios com atividade comercial/serviços/industrial;
c) Em vias rodoviárias;
d) Em vias ferroviárias;
e) Em outras infraestruturas, nomeadamente eletricidade, entre outras.
A determinação do valor do custo das taxas alicerçou -se, sobretudo, nos custos diretos envolvidos. Contudo, convém referir que, na maioria das situações, existem significativos custos indiretos que concorrem para a sua efetivação.
A metodologia seguida para o apuramento do valor das taxas teve em consideração apenas o referencial de base do custo da contrapartida (perspetiva objetiva) e de uma perspetiva subjetiva, para os prédios urbanos, com um custo social a ser suportado pelo Município.
Assim, o valor das taxas foi calculado com base nos custos suportados pelo Município para a prestação do serviço, sendo que:
a) No caso do valor da taxa prevista para os prédios urbanos, e para as empresas com atividade industrial, de comércio e serviços, o município assume parte dos custos da atividade pública de Proteção Civil, para que o particular e as empresas não tenham que suportar o valor real da taxa, atendendo ao dever de serviço público, ao fato de se tratar de uma nova taxa e à sua própria especificidade, bem como à conjuntura económica de crise global que se verifica;
b) Quanto às taxas aplicáveis às entidades gestoras de infraestruturas, o valor previsto da taxa aplicável corresponde ao custo da atividade pública de Proteção Civil, acrescida de uma majoração por se tratarem de atividades com benefício económico associado ao risco acrescido da operação em termos de Proteção Civil;
c) Dado o elevado risco de ocorrência de eventos graves na área da proteção civil, o Município, mediante deliberação da Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, pode definir uma majoração até 50 %, para ações ou atividades de risco acrescido, designadamente e como exemplo os prédios devolutos.
[...]
[A] determinação do valor da taxa a fixar pelo Município de Odemira teve em consideração duas vertentes: económica (custo direto da atividade económica) e social (custo social suportado pelo Município).
Assim, no apuramento do custo das operações relacionadas com Proteção Civil seguiu-se o critério de tentar ser o mais objetivo possível na definição de cada uma das tarefas inerentes às operações praticadas que dão lugar ao pagamento das taxas, no estrito cumprimento do princípio, já referido anteriormente, da proporcionalidade.
Em suma, a TMPC, traduz-se no custo da atividade pública e incide sobre as utilidades prestadas ou geradas pela atividade do município, na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens dos domínios público e privado do município.
3.2 - Método de Cálculo
O método de cálculo foi suportado nos dados contabilísticos relativos aos custos diretos relacionados com o exercício da atividade de Proteção Civil, referentes ao exercício económico de 2013, bem como as aquisições de bens e serviços, pessoal e custos com os investimentos. As rubricas de custos relevantes no orçamento, retirados do sistema de contabilidade analítica do município, e que serviram de base ao cálculo da TMPC são as seguintes:
Custos com pessoal;
Bens e serviços requisitados;
Viaturas;
Transferências (correntes e de capital);
Deste modo, obtivemos um montante total de despesa associada à área Proteção Civil de 452.056,74 (euro), resultando daí o valor da TMPC [...].
4 - Conclusão
A presente fundamentação económico financeira da TMPC a adotar pelo Município de Odemira baseia-se na legislação atualmente em vigor, nomeadamente, na verificação dos princípios da proporcionalidade e da equivalência jurídica previstas no RGTAL, tendo ainda por base critérios sociais e políticos ao nível da concessão de um benefício sob a forma de custo social suportado pelo Município.»
8 - Para proceder à análise da norma relativa à TMPC de Odemira que é objeto do presente processo, o Acórdão n.º 332/2018 recorreu aos seguintes pontos da fundamentação do Acórdão n.º 848/2017, do Plenário, relativo à TMPC de Lisboa:
«2.4 - As circunstâncias, já assinaladas, de a TMPC englobar indiferenciadamente todos os custos do serviço municipal de proteção civil e de a previsão da referida taxa no RGTAL ser genérica são de molde a suscitar dúvidas muito consistentes quanto à necessária bilateralidade ou sinalagmaticidade deste tributo, ainda que se adote o conceito mais amplo de taxa que se traçou no Acórdão n.º 177/2010. De resto, foram tais dúvidas que conduziram ao juízo positivo de inconstitucionalidade emitido no Acórdão n.º 418/2017 relativamente às normas do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia.
Contudo, a circunstância de se considerarem corretos os fundamentos que justificaram tal juízo de inconstitucionalidade não justificará, sem mais, um idêntico juízo quanto às normas do RGTPRML que introduziram a Taxa Municipal de Proteção Civil de Lisboa. Impõe-se, pois, que estas últimas sejam analisadas tendo em conta a sua específica estrutura. Tal análise deverá incidir, separadamente, sobre cada uma das (denominadas) "taxas" em causa no pedido do Requerente: (i) o tributo que incide sobre o valor patrimonial dos prédios em geral (n.º 1 do artigo 59.º do RGTPRML) e (ii) o tributo que incide sobre o valor patrimonial dos prédios "com risco acrescido por relação com a condição de degradado, devoluto ou em estado de ruína" (n.º 2 do artigo 59.º do RGTPRML).
2.5 - Centrando-nos, em primeiro lugar, na (denominada) "taxa" prevista n.º 1 do artigo 59.º do RGTPRML, encontram-se alguns pontos de contacto com o tributo sobre o qual incidiu o Acórdão n.º 418/2017.
2.5.1 - Em primeiro lugar, e também no caso dos presentes autos, deve sublinhar-se (sem prejuízo de outras razões, adiante referidas) que não tem aqui cabimento a convocação dos fundamentos do Acórdão n.º 316/2014, porquanto as atividades do município na área da proteção civil, a que se refere a TMPC, não permitem estabelecer uma relação - efetiva ou presumida - com específicas pessoas ou grupo que delas sejam causadores ou beneficiários. Pelo contrário, e como se observou no Acórdão n.º 418/2017, pode dizer-se, genericamente, que todos os sujeitos que residam, estejam estabelecidos ou se desloquem ocasionalmente na área do município, e ainda que de um modo muito difuso, "dão causa" às atividades de proteção civil - porque a sua simples presença pode condicioná-las ou moldá-las, determinando o seu conteúdo - ou delas "beneficiam", pelo menos potencialmente. E renova-se a conclusão então afirmada: se assim é, perde-se a conexão característica dos tributos comutativos, num duplo sentido: perde-se do lado dos beneficiários, que não são suscetíveis de delimitação, porquanto a "causa" da atividade e o "benefício" dela decorrente se diluem na generalidade da população; e perde-se do lado da prestação, por não ser individualizável, reconduzindo-se a uma atividade abstrata.
Justifica-se, ainda, assinalar que, também na hipótese ora apreciada, a determinação dos sujeitos passivos é arbitrária: impor o tributo aos proprietários é tão desprovido de sentido e justificação como escolher os arrendatários, alguns ou todos os empresários ou qualquer outra categoria de sujeitos, uma vez que nenhum deles tem maior ou menor proximidade objetiva com a atividade a que se refere a taxa.
No caso sub judicio, também podemos (re)afirmar que a "construção" justificativa consistente na agregação em bruto de toda a atividade municipal de proteção civil a título de prestação não pode esconder que, desse modo, se ficciona, artificiosamente, uma prestação concreta com base num conjunto indiferenciado de atos sem destinatários individualizados que se reconduzem a uma atividade abstrata, sendo certo que o mesmo método - separar uma determinada área de atividade de uma pessoa coletiva pública, calcular os seus custos e fazê-los refletir (ainda que parcialmente, mas em bloco) sobre um conjunto maior ou menor de sujeitos - pode fazer-se para qualquer outro serviço público local ou estadual (educação, justiça, saúde, defesa, segurança, por exemplo), mas não traduz, manifestamente, um recorte suficientemente definido de prestações concretas da entidade pública e dos sujeitos que a elas dão causa ou delas beneficiam, nem existem elementos que suportem, neste âmbito, uma presunção suficientemente expressiva - forte - de uma relação de troca.
Em suma, na justificação económica da TMPC encontram-se elementos que, à semelhança do que ocorria com o tributo criado pelo município de Vila Nova de Gaia, são dificilmente compatibilizáveis com a estrutura bilateral da taxa - designadamente, a descrição muito genérica e abrangente do conjunto das atividades de proteção civil, a "identificação dos processos" que "conduzem a serviços" ligados à proteção civil como (alegada) expressão de um nexo entre prestações, a agregação indiscriminada dos custos da globalidade dos serviços de proteção civil e a distribuição praticamente arbitrária desses custos por categorias de sujeitos passivos.
Estes elementos estruturais do tributo - comuns às hipóteses dos presentes autos e à encarada pelo Tribunal no Acórdão n.º 418/2017 - representam um primeiro obstáculo à qualificação da TMPC como taxa.
2.5.2 - Às características apontadas da TMPC, que a aproximam do tributo equivalente de Vila Nova de Gaia, somam-se outras próprias daquela.
[...]
Não é possível reconstituir qualquer relação suficientemente definida, certa e objetiva entre o conteúdo e valor das prestações do serviço municipal de proteção civil, por um lado, e o valor a suportar pelos titulares dos prédios, por outro. O Município de Lisboa sustenta que os proprietários dos prédios são "[...] os [...] beneficiários principais" da TMPC, na medida em que "[...] a atividade da proteção civil do Município de Lisboa está em larga medida ligada ao património edificado, traduza-se ela em operações de socorro a incêndios, em intervenções por ocasião de inundações, em ações de proteção ditadas pelo estado degradado ou em ruína de imóveis [...]", sendo por isso "'normal' e mesmo 'expectável' que a Câmara Municipal de Lisboa, em face das atribuições que lhe são cometidas por lei, desenvolva um conjunto de ações concretas de proteção civil de que são principais beneficiários os proprietários de prédios urbanos situados no concelho", concluindo que "[...] é inquestionável que a TMPC dá corpo àquela relação comutativa que o Tribunal Constitucional entende conformadora das verdadeiras taxas". Por outras palavras, entende o Município de Lisboa que os proprietários integram um dos "[...] três universos de pessoas que se distinguem com clareza do conjunto da coletividade pela intensidade dos riscos que geram e pela intensidade do benefício que a atividade da proteção civil lhes traz", sendo "[...] esta razão que justifica que parte dos custos inerentes aos serviços de proteção civil lhes seja imputada através da TMPC". Como tal, e sempre no entender do Município, o que se pretende com a taxa é "[...] fazer com que um conjunto bem determinado de pessoas concorra para o custeamento de uma atividade de que são os principais causadores ou beneficiários".
Sucede que estas relações assentam, em grande medida, em petições de princípio que não estão especificamente demonstradas e não encontram reflexos na fundamentação económica da TMPC (onde, como se viu, todos os custos são agregados indistintamente). [...] A estrutura da TMPC não apresenta uma base objetiva para se poder afirmar que é a propriedade, por si, que determina ou potencia os gastos municipais.
Por outras palavras, ao partir de um pressuposto claramente revelador da capacidade contributiva genérica que é independente da dimensão, da natureza e do peso e valor relativos das prestações a assegurar no âmbito da proteção civil, o Município de Lisboa criou um tributo - qualificando-o como "taxa" - que se determina objetivamente sem a relevância daquelas prestações, a não ser na medida em que foram agregados os custos globais daqueles serviços (o que em nada favorece a ideia de bilateralidade, como vimos). Este desligamento das conexões entre prestações características dos tributos bilaterais decorre, inelutavelmente, de se escolher como (único) facto tributário a titularidade do direito real. [...].
Não há, pois, como negar o caráter extremamente difuso (na verdade, impossível de traçar) da relação entre a titularidade dos prédios e as prestações no âmbito da proteção civil a que (alegadamente) dá causa, ou da relação entre tais prestações e o respetivo "benefício" para os titulares do património imobiliário. Como se sublinhou, não é a possibilidade de enumerar várias atividades de proteção civil - sem consideração do seu peso relativo e, em particular, da relação de cada uma com a titularidade dos prédios - que permite dar por estabelecida a necessária correlação entre prestações.
Consequentemente, não pode a TMPC afirmar-se como tributo bilateral, ou seja, não se trata de uma taxa, no sentido jurídico-constitucionalmente relevante que atrás foi assinalado.
[...]
2.6 - À semelhança do que se concluiu a respeito do tributo apreciado no Acórdão n.º 418/2017, forçoso é concluir, perante a TMPC, que a relação comutativa que deveria estar pressuposta numa verdadeira taxa não se encontra a partir de qualquer dos seus elementos objetivos, pelo que o referido tributo não merece tal qualificação jurídica.
2.7 - As considerações que antecedem são transponíveis para a TMPC na modalidade prevista no n.º 2 do artigo 59.º do RGTPRML, ou seja, a norma respeitante aos prédios "com risco acrescido por relação com a condição de degradado, devoluto ou em estado de ruína".
Numa primeira leitura, a favor da não inconstitucionalidade da TMPC nesta vertente, poder-se-ia afirmar que, por natureza, os prédios degradados, devolutos ou em estado de ruína representam um risco acrescido de necessidade de intervenção dos serviços de proteção civil.
Todavia, sendo esta asserção verdadeira, não é menos certo que a TMPC não aparece nem se determina em função desse risco concreto. Ou seja, mantêm-se válidas, mutatis mutandis, todas as considerações acima tecidas a respeito da "norma-base" do n.º 1 do artigo 59.º do RGTPRML.
Por outras palavras, a pretexto de uma situação de risco (abstrato) acrescido, o tributo é agravado. Todavia - e constitui a sua "mácula original", nunca dissipada -, continua a assentar apenas na capacidade contributiva revelada pela titularidade do direito real, ou seja, desliga-se (como vimos) de qualquer relação de troca configurável neste contexto, aliás, em paralelo com o IMI - cf. artigos 112.º, n.º 3 ["as taxas previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 são elevadas, anualmente, ao triplo nos casos de prédios urbanos que se encontrem devolutos há mais de um ano e de prédios em ruínas, considerando-se devolutos ou em ruínas, os prédios como tal definidos em diploma próprio"] e 112.º, n.º 8 ("os municípios, mediante deliberação da assembleia municipal, podem majorar até 30 % a taxa aplicável a prédios urbanos degradados, considerando-se como tais os que, face ao seu estado de conservação, não cumpram satisfatoriamente a sua função ou façam perigar a segurança de pessoas e bens") do Código do IMI.
Consequentemente, e apesar de a TMPC prevista no n.º 2 do artigo 59.º do RGTPRML dizer respeito a uma hipótese eventualmente reconduzível a riscos acrescidos, estes não moldam a essência do tributo: o facto tributário (titularidade do direito real) e a incidência sobre o valor permanecem desvinculados de prestações determinadas do serviço de proteção civil. Ou seja, servindo de pretexto para a tributação agravada, os ditos riscos (não especificados) e as prestações (concretamente desconhecidas) que os mesmos determinam estão ausentes do mecanismo jurídico da TMPC.
Daí que, apesar da aparente diferença, esta norma mereça, pelas razões atrás apontadas e que aqui se dão por reproduzidas, o mesmo juízo no plano jurídico-constitucional.
Conclui-se, pois, e sem necessidade de outras considerações, pela inconstitucionalidade orgânica da norma contida no artigo 59.º, n.º 2, do RGTPRML e, ainda, das normas contidas nos artigos 60.º, n.º 2, e 63.º, n.º 2, do mesmo diploma (que respeitam à incidência subjetiva e ao valor da TMPC)
2.8 - O Município de Lisboa sustenta ainda que, se, "por hipótese académica, não se aceitasse tal qualificação, então seria com certeza necessário ponderar a sua qualificação como contribuição antes de qualificá-la apressadamente como imposto - e seria necessário ter presente que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, as contribuições não estão abrangidas pela reserva de lei parlamentar estabelecida pelo artigo 165.º da Constituição da República".
Esta afirmação quanto à necessidade de ponderar a qualificação da TMPC como contribuição não é exata.
Na verdade, o tributo em apreço encontra-se previsto exclusivamente num regulamento municipal habilitado por uma lei que apenas prevê a aprovação de taxas (o RGTAL). Deste modo, e tal como já afirmado no Acórdão n.º 581/2012, "[...] uma vez que inexiste qualquer outro diploma legal que contenha uma habilitação genérica para a aprovação pelos municípios de outro tipo de tributos, das duas uma: ou o tributo [em análise] se pode reconduzir ao conceito de 'taxa' consagrado no citado RGTAL, e, por conseguinte, aquele preceito regulamentar não é inconstitucional; ou, diversamente, correspondendo o [mesmo] tributo a um 'imposto' ou a uma 'outra contribuição tributária com contornos paracomutativos', o mesmo preceito não poderá deixar de ser tido como incompatível com o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição [...]", designadamente por violação da reserva de lei parlamentar.
É certo que, no Acórdão n.º 539/2015, o Tribunal afastou a existência de uma reserva de lei parlamentar relativamente a toda a matéria das contribuições ("[c]onfiguram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum. Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado ao das taxas. O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.").
Porém, o regime das finanças locais continua a ser reservado à competência legislativa da Assembleia da República [artigos 165.º, n.º 1, alínea q), e 238.º, n.os 2 e 4], verificando-se que o Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro) não prevê, sequer, as contribuições financeiras como receitas municipais - o que comprova, também por esta via, que o RGTPRML, na parte respeitante às normas em análise, e ainda que se pudesse entender que as mesmas contemplam uma contribuição financeira, teria invadido a reserva de competência da Assembleia da República».
9 - Concluiu, então, o Acórdão n.º 332/2018:
«13 - Atendendo à fundamentação do Acórdão n.º 848/2017 - que segue, em parte, a desenvolvida já no Acórdão n.º 418/2017 e à qual aderiram os arestos posteriores deste Tribunal -, é fácil verificar que nela se contêm, em traços gerais, critérios convocáveis para a caracterização da norma relativa à TMPC de Odemira que é objeto do presente processo.
Efetivamente, também neste caso, estamos perante um tributo municipal, cujo objetivo é "compensar financeiramente o Município de Odemira pela despesa pública local, realizada no âmbito da prevenção de riscos e da proteção civil", e que se destina a constituir "a contrapartida do Município", designadamente, pela "prestação de apoio aos serviços de bombeiros", pela "prestação de serviços de proteção civil" pelo "funcionamento da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios", pelo "cumprimento e execução do plano de emergência municipal", pela "prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações" e pela "promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para a prevenção de riscos" (artigo 2.º, n.º 2, do RTMPC). Na Fundamentação Económico-Financeira da TMPC constante do anexo ii do RTMPC indica-se expressamente que as taxas se referem ao "serviço público prestado pelos Bombeiros e pela Proteção Civil Municipal", no âmbito dos serviços de "Prevenção dos riscos coletivos e a ocorrência de acidente grave ou de catástrofe deles resultantes", de "Atenuação dos riscos coletivos e limitação dos seus efeitos no caso de ocorrência de acidente grave ou de catástrofe", de socorro e assistência às "pessoas e outros seres vivos em perigo" e de proteção de "bens e valores culturais, ambientais e de elevado interesse público", bem como de "Reposição da normalidade da vida das pessoas em áreas afetadas por acidente grave ou catástrofe".
No caso que nos autos é dado apreciar, a taxa é fixada no anexo i do RTMPC por um determinado valor em Euros "por cada metro linear de infraestruturas" (n.º 2 do Anexo i do RTMPC de Odemira). O método de cálculo da taxa, de acordo com a Fundamentação Económico-Financeira da TMPC, "foi suportado nos dados contabilísticos relativos aos custos diretos relacionados com o exercício da atividade de Proteção Civil, referentes ao exercício económico de 2013, bem como as aquisições de bens e serviços, pessoal e custos com os investimentos".
É evidente que o tributo que resulta da norma objeto de análise se fundamenta, assim, na agregação indiferenciada de todos os custos do serviço municipal de proteção civil, a cujo financiamento direto genericamente se dirige. Se assim é, a receita que resulta da sua cobrança não encontra fundamento em qualquer contraprestação municipal em função da qual o tributo se pudesse dizer devido, o que põe em causa o caráter sinalagmático e comutativo próprio das taxas. Conforme se afirmou no Acórdão n.º 848/2017, relativamente à TMPC de Lisboa, ponto 2.4, as circunstâncias "de a TMPC englobar indiferenciadamente todos os custos do serviço municipal de proteção civil e de a previsão da referida taxa no RGTAL ser genérica são de molde a suscitar dúvidas muito consistentes quanto à necessária bilateralidade ou sinalagmaticidade deste tributo, ainda que se adote o conceito mais amplo de taxa que se traçou no Acórdão n.º 177/2010". Efetivamente, analisando o seu regime pode concluir-se, tal como se concluiu no Acórdão n.º 848/2017, ponto 2.5.1., que "as atividades do município na área da proteção civil, a que se refere a TMPC, não permitem estabelecer uma relação - efetiva ou presumida - com específicas pessoas ou grupo que delas sejam causadores ou beneficiários". Podendo dizer-se, neste caso, que todas as entidades gestoras de infraestruturas instaladas no município, pela sua presença, 'causam' atividades de proteção civil, de que beneficiam, "perde-se a conexão característica dos tributos comutativos, num duplo sentido: perde-se do lado dos beneficiários, que não são suscetíveis de delimitação, porquanto a 'causa' da atividade e o 'benefício' dela decorrente se diluem na generalidade da população; e perde-se do lado da prestação, por não ser individualizável, reconduzindo-se a uma atividade abstrata".
14 - De acordo com a Fundamentação Económico-Financeira da TMPC, para as entidades gestoras de infraestruturas, "o valor previsto da taxa aplicável corresponde ao custo da atividade pública de Proteção Civil, acrescida de uma majoração por se tratarem de atividades com benefício económico associado ao risco acrescido da operação em termos de Proteção Civil" e que tendo em conta "o elevado risco de ocorrência de eventos graves na área da proteção civil, o Município, mediante deliberação da Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, pode definir uma majoração até 50 %, para ações ou atividades de risco acrescido, designadamente e como exemplo os prédios devolutos". Parece existir, assim, a invocação da atividade prosseguida e da natureza dos riscos associados para justificar a necessidade de pagamento da TMPC.
No entanto, acompanha-se também aqui a fundamentação do Acórdão n.º 848/2017 para julgar inconstitucional a TMPC na modalidade respeitante aos prédios "com risco acrescido por relação com a condição de degradado, devoluto ou em estado de ruína", prevista no RTMPC de Lisboa. Nesse caso, independentemente do risco acrescido das infraestruturas ou atividades em causa, a TMPC do Município de Odemira, à imagem da prevista no Município de Lisboa, "não aparece nem se determina em função desse risco concreto" (cf. Acórdão n.º 848/2017, ponto 2.7). O que acontece é que "a pretexto de uma situação de risco (abstrato) acrescido, o tributo é agravado". No entanto, nunca tal risco, só por si, poderia conferir bilateralidade ao tributo em causa permitindo a sua caracterização como taxa.
O facto tributário gerador da TMPC de Odemira sob apreciação não é o risco causado por certos imóveis, infraestruturas ou atividades, mas é, apenas e tão-somente, a gestão de infraestruturas, independentemente de qualquer contraprestação configurável neste contexto. Como referido no Acórdão n.º 34/2018, relativo à TMPC de Setúbal, mas também aplicável neste caso, o risco é tomado «como mero critério de repartição do valor dos custos globais dos serviços de proteção civil e bombeiros que pretendeu imputar, sem especificar quaisquer prestações concretas ou singularizáveis de que, em função desse risco, os sujeitos do tributo se pudessem dizer efetivos causadores ou beneficiários» (ponto 9).
No preâmbulo do RTMPC de Odemira refere-se que a taxa concretiza o "dever de comparticipar na despesa pública local gerada com a proteção civil na área do seu município de forma a tornar o sistema de proteção civil municipal sustentável do ponto de vista financeiro" como contrapartida ao "direito de ter à sua disposição informações concretas sobre os riscos coletivos e como prevenir e minimizar os seus efeitos" e o "direito a ser prontamente socorrido sempre que aconteça um acidente ou catástrofe". Trata-se, portanto, de uma fonte de financiamento genérico do serviço público municipal de proteção civil e socorro, desligada de qualquer referência a uma contraprestação concretizável.
15 - Assim, é de considerar aplicável ao presente processo, com as devidas adaptações, a fundamentação do Acórdão n.º 848/2017, impondo-se a conclusão de que o tributo em causa não pode ser juridicamente qualificado como taxa.»
10 - Concordando-se com o julgamento de inconstitucionalidade da norma objeto do presente processo, proferido em sede de fiscalização concreta, constante do Acórdão n.º 332/2018, da 1.ª Secção, e respetiva fundamentação, aqui citada, reafirmado pelas Decisões Sumárias n.os 331/2019, da 3.ª Secção, 348/2019, da 1.ª Secção, e 423/2019, da 3.ª Secção, deve proceder-se à sua generalização.
Assim, resta concluir pela declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que determina o «pagamento da taxa municipal de proteção civil devida pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil» pelas «entidades gestoras de infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Odemira, designadamente as rodoviárias, ferroviárias e de eletricidade» que «pode ser agravada até 50 % face ao valor base, por deliberação fundamentada da Assembleia Municipal de Odemira, sob proposta da Câmara Municipal de Odemira, designadamente quando se trate de pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma ação ou atividade de acrescido risco», resultante do teor dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do RTMPC de Odemira, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição e do princípio da legalidade tributária consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição.
III - Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que determina o «pagamento da taxa municipal de proteção civil devida pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil» pelas «entidades gestoras de infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Odemira, designadamente as rodoviárias, ferroviárias e de eletricidade» que «pode ser agravada até 50 % face ao valor base, por deliberação fundamentada da Assembleia Municipal de Odemira, sob proposta da Câmara Municipal de Odemira, designadamente quando se trate de pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma ação ou atividade de acrescido risco», que resulta dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do RTMPC de Odemira.
Lisboa, 8 de janeiro de 2020. - Maria de Fátima Mata-Mouros - Gonçalo Almeida Ribeiro - Lino Rodrigues Ribeiro - Joana Fernandes Costa - Mariana Canotilho - Claudio Monteiro (com a mesma declaração que fiz no Acórdão 332/2018) - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro Machete - João Pedro Caupers - Fernando Vaz Ventura - José Teles Pereira - Manuel da Costa Andrade.