A publicação do Decreto-Lei n.º 69/2023, de 21 de agosto de 2023, transpõe para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva 2020/2184, do Parlamento e do Conselho Europeu de 16 de dezembro, relativa ao controlo da qualidade da água para consumo humano, bem como integra as disposições legais decorrentes da transposição da Diretiva 2013/51/EURATOM, do Conselho de 22 de outubro, e que já constavam da legislação em vigor no que concerne ao controlo da radioatividade.
É importante salientar que o conteúdo da diretiva comunitária que dá origem a esta transposição resulta em grande medida da iniciativa de cidadania europeia designada por Right2Water, cujos resultados foram muito relevantes para o texto final. Por esta razão, as novas regras de controlo da qualidade da água para consumo humano refletem as principais preocupações manifestadas pelos cidadãos europeus que participaram na referida iniciativa.
Assim, como principais alterações face ao quadro legal vigente a ERSAR destaca:
- Consolidação da implementação da abordagem de avaliação e gestão do risco em toda a cadeia do abastecimento de água que, em Portugal, já tinha sido iniciada com os programas de controlo da qualidade da água aprovados pela ERSAR para 2023 suportados pela avaliação do risco nos sistemas de abastecimento de água para 2023. Desta forma, as componentes origens de água, sistemas de tratamento e distribuição e redes prediais terão o respetivo controlo da qualidade da água suportado por uma avaliação e gestão do risco, introduzindo mais segurança, racionalidade técnica e financeira na determinação dos parâmetros a controlar na verificação da qualidade da água.
- Alteração significativa nalguns valores paramétricos, ou seja, nalguns valores limite que, nuns casos são mais exigentes e noutros estão adaptados à realidade geográfica onde os sistemas de abastecimento operam. Para ilustrar esta alteração, dá-se nota que o valor paramétrico do chumbo passará de 10 µg/l para 5 µg/l, com efeitos a partir de 12 de janeiro de 2036, que os valores paramétricos de antimónio e selénio aumentam de 5 µg/l para 10 µg/l e de 10 µg/l para 20 µg/l, respetivamente, e o boro que poderá ter um valor paramétrico de 2,4 mg/l em vez dos atuais 1,5 mg/l, desde que a água provenha de um processo de dessalinização ou as características geológicas do solo assim o justifiquem. Estas mudanças refletem a preocupação manifestada de ter os últimos desenvolvimentos científicos incorporados neste quadro regulamentar.
- Ainda relativamente aos parâmetros, as novas regras determinam o controlo dos compostos designados por emergentes com a criação de uma lista de vigilância pela Comissão Europeia que será atualizada com regularidade e determina que todos os Estados-membros deverão fazer uma avaliação da sua situação particular relativamente a esses compostos. Salienta-se aqui, por exemplo, o controlo de alguns desreguladores endócrinos ou dos microplásticos.
- Introdução de novos parâmetros, como os PFAS, que, com uma monitorização mais regular, permitirá a cada Estado-membro conhecer melhor a sua situação e atuar em conformidade, incrementando-se assim os níveis de proteção da saúde humana.
- Uniformização das regras de utilização dos materiais e produtos em contacto com a água permitindo uma maior justiça e equidade entre os produtores e fabricantes dos diversos Estados-membros, ao contrário do que acontecia até ao presente com alguns países a serem bastante mais criteriosos do que outros nesta seleção. Assim, além de uma maior justiça concorrencial na União Europeia, garante-se que as entidades gestoras dos sistemas de distribuição de água utilizam os melhores materiais e produtos em contacto com a água, com os consequentes benefícios para a proteção da saúde humana.
- Promoção da redução das perdas de água nas redes de distribuição, preocupação resultante da iniciativa Right2Water e que teve reflexo na nova diretiva, bem como na transposição portuguesa, determinando que os Estados-membros têm de fazer uma avaliação das perdas nas respetivas redes e apresentar um plano de redução das mesmas. Nesta matéria, podemos considerar que Portugal já tem uma boa parte do seu trabalho feito, uma vez que o modelo de regulação da qualidade do serviço já faz esta avaliação desde 2004.
- Alterações na informação que deve ser prestada aos consumidores que, no caso português, já estavam em alguma medida consagradas na regulamentação da faturação detalhada. Contudo, a transposição permitiu fazer algumas melhorias à legislação em vigor, por exemplo, a explicitação do preço da água também por litro, o que permite uma melhor comparação com o custo das águas vendidas em garrafa, e a avaliação do consumo de cada agregado familiar em comparação com a média global dos agregados familiares, como ferramenta de incremento da eficiência de utilização da água por todos.
Por último, salienta-se a preocupação de alinhamento deste quadro regulamentar com os
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), designadamente o ODS 6 relativo à água e saneamento seguros. De facto, a transposição portuguesa prevê a definição de uma estratégia de garantia de acesso à água para todos, incluindo os grupos vulneráveis e marginalizados, pretendendo-se que seja um instrumento que permita a Portugal cumprir a sua parte em assegurar que até 2030 toda a população residente no nosso território terá acesso a água para consumo humano segura.
As últimas três décadas caracterizaram-se por uma crescente melhoria da
qualidade da água para consumo humano, tendo sido atingido o nível de excelência de 99 % de água segura na torneira em 2015 (água gerida pelas entidades gestoras dos sistemas públicos de distribuição), que se mantém como tal desde então. Apesar da sua maior exigência, a ERSAR está convicta que este novo quadro regulamentar agora publicado constituirá mais um passo em frente na consolidação da segurança da água da torneira, que se pretende que tenha como reflexo uma crescente confiança dos consumidores.
Pode consultar o diploma na íntegra
aqui.