Em Portugal continental, a qualidade da água na torneira apresenta, há vários anos, um nível de excelência, alicerçada por um controlo exigente das normas legais europeias e por um acompanhamento rigoroso e coordenado dos diferentes atores no processo. De acordo com os últimos dados do
volume 2 do relatório anual dos serviços de águas e resíduos – RASARP, o indicador "Água segura", da ERSAR, situa-se nos 99 %, confirmando a tendência positiva deste indicador há três anos consecutivos.
Tendo-se atingido este patamar de excelência, de valor incalculável, importa refletir sobre alguns dos desafios futuros que o setor enfrenta para a manutenção destes níveis já que os mesmos resultam de uma conquista diária e, como tal, não devem ser considerados como um dado adquirido e imutável.
O acesso a água potável (em quantidade e qualidade) é um dos desafios mais prementes nas próximas décadas, considerando, em particular, as alterações climáticas, o ce
nário de seca meteorológica e a escassez hídrica mas também os poluentes emergentes e o controlo da qualidade da água suportado numa avaliação do risco holística, desde a origem até à torneira, previstos na nova Diretiva da Qualidade da Água para Consumo Humano, em processo de transposição para o direito nacional.Apesar da quantidade da água disponível não afetar diretamente a qualidade da água na torneira, as condições meteorológicas extremas modificam o equilíbrio normal das massas de água e dos ecossistemas, pelo que as alterações climáticas poderão, em teoria, ter um impacto indireto na qualidade da água se, por exemplo, houver menos água disponível nos rios e albufeiras devido à tendência de secas; se ocorrerem mais incêndios, com a consequente erosão dos solos e contaminação dos cursos de água; se houver uma aposta excessiva no modelo de agricultura intensiva; ou ainda se não se reduzir o uso de pesticidas, o que provoca contaminação dos solos e das massas de água.
Em termos da quantidade, o grande desafio prende-se com o uso eficiente da água, que implica uma abordagem integrada e a implementação de medidas para reduzir perdas, questão fundamental e que requer investimento em monitorização e reabilitação de infraestruturas. Por outro lado, é necessário diminuir a vulnerabilidade perante situações de escassez, com planos de contingência e medidas estruturais e ainda assegurar a sustentabilidade económica e financeira dos operadores, para permitir a realização dos investimentos necessários. A este propósito, é importante que as tarifas reflitam o custo real do serviço e que se garanta o cumprimento do princípio do utilizador pagador, enquanto regra que pode ter exceções justificadas.
Adicionalmente, numa perspetiva de economia circular e de origens de água alternativas, a água residual tratada pode ser sujeita a um tratamento adicional de afinação, tornando-se apta a ser utilizada em usos não potáveis, como a lavagem de contentores e de ruas ou a rega de espaços verdes.
Por último, uma boa gestão deste recurso essencial passa também por, enquanto comunidade, valorizarmos adequadamente este bem e mudarmos comportamentos,
reduzindo o consumo excessivo, ao mesmo tempo que adquirimos uma maior consciência sobre o ciclo urbano da água. De facto, até que a água chegue com qualidade às nossas casas é necessário percorrer várias etapas e até que as águas residuais sejam devolvidas à natureza têm de ser tratadas de forma adequada. Este é o ciclo que suporta os serviços essenciais de
abastecimento de água e de
saneamento de águas residuais urbanas. Efetivamente, ter água potável nas nossas torneiras é uma conquista diária, um trabalho contínuo e um legado imprescindível para as próximas gerações.